O que Há...
"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço..."
Álvaro de Campos – Fernando Pessoa
Pediram-me um poema!! O quê?!! Não, eu não sei escrever poemas. Aliás, não sei escrever coisa nenhuma.
Não, um poema que te toque!!
Fui buscar os dossiers velhos que guardo no sotão. Sabia o que queria, até porque alguns versos vagueavam pela minha mente...
Na altura do liceu alguém o tinha lido, alguém o tinha recitado de tal forma que, por momentos, fechei os olhos e devorei as palavras. Na altura tornou-se incontornável o desejo de saber quem o tinha escrito. Quem quer que o tenha feito conhecia-me... de alguma maneira...
Quando ouvimos uma música que gostamos a tendência é aplicá-la à nossa própria vida. Faz sentido. Gostamos dela porque retrata este ou aquele momento, fala de esta ou daquela pessoa...
A poesia, aprendi eu então, tem esse mesmo dom.
E Fernando Pessoa começou a fazer parte de mim.
O que mais me fascina é que depois de ter lido biografias, descobri que o que é realmente importante nele é a sua poesia. Dedicou-se a inventar pessoas, que fazendo parte dele, tinham vidas paralelas, independentes.
E todos somos um pedaço dele. Não o assumimos, mas somos. Tal como a roupa que vestimos adequada a qualquer situação, possuímos dentro de nós capas. Capas que nos cobrem, protegem e denunciam. E a facilidade com que as vestimos e despimos é a mesma com que ele escrevia poemas.
Raras são as vezes que perdemos o pudor pela nudez e mostramos o nosso corpo tal como ele é. Sem subterfúgios nem capas ilusórias. E quase nunca nos congratulam pelo nú explícito...
1 comentário:
E não é que me identifico com o poema também...Até já o tinha posto no blog =D...
Só mesmo assim para descobrir com quem somos parecidos!
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