domingo, setembro 02, 2007

Um dia de praia...

Manhã de Agosto. Sol. O vento, misteriosamente, desapareceu. À frente dos meus olhos, na linha de horizonte, apenas o mar. A praia que escolhi é quase deserta. Quase.
Estendo a toalha, dispo o vestido, e deito-me confortavelmente na areia na esperança de disfrutar ao máximo a minha leitura. De David Mourão Ferreira, o livro. Um dos meus escritores preferidos. Abro o livro e leio-o enquanto o sol me toca na pele e a vai queimando. Entrego-me a esta sensação fantástica de pertencer à Natureza: a pele é do sol, o corpo encaixado na areia fina e os sentidos direccionados apenas para o barulho e sabor do mar! Devoro as palavras. Chego a querer parar a minha leitura. É quase como saborear uma refeição que, por estar tão saborosa, apetece comer devagarinho para esmiuçar cada sabor e condimento... Não quero apressar nada.
Gostaria de ser esta mulher que o escritor define. Nunca li descrição mais fiel e pormenorizada. Nunca conheci ninguém que falasse tão bem de e sobre mulheres como ele. Penso que talvez as conhecesse bem demais ( se é que isso é possível). Descobre-lhes os defeitos mais mesquinhos e poeirentos e exibe e enaltece as qualidades de Deusas que diz possuirem. Ama-as e admira-as...
Entretanto, quase em simultâneo, juntam-se a mim, na minha praia deserta, dois casais. Estrategicamente, ou não, fico no meio deles. Mais uma vez interrogo interiormente: por que razão com tanto espaço à volta as pessoas gostam de estar pertinho umas das outras?? Será que é por uma questão de segurança?? Não que eu tenha a veleidade de pensar que estes casais simpáticos vejam em mim uma salva-vidas mas talvez pensem que “como é novita e tal (eu não disse que eram simpáticos??!!) talvez tenha boa goela para gritar por socorro!” Ok, novita sou, tenho boa goela, também é verdade, mas odeio gritos! Adiante.
Dois casais, dois guarda-sóis, os devidos sacos e três criancinhas que, entretanto, encetaram uma luta dolorosa com a roupa que trazem vestida... a vontade de brincar está espelhada nos seus olhos.
Atenta a estas coisas de “educação” dou por mim a ocupar o meu tempo a observar e “ouvir” (é inevitável) estas famílias vizinhas à minha toalha.
Ambos são casais novos. O da minha direita tem apenas um filho (4/5 anos); o da esquerda vem equipado com dois (um rapazito de ¾ anos e outro mais velhito um pouco). And now, find the differences:

O casal da direita chegou, abriu o guarda-sol, estendeu as toalhas, despiram toda a roupa que foi atabalhoadamente colocada em cima de um qualquer saco, não espalharam creme algum pelo corpo (talvez o tivessem feito ainda em casa) e :
- Queres o balde João?
- Na quéo...
- Queres a pá?
- Na quéo...
- Anda cá para te pôr o chapéu...
- Na quéo
(Zangado)
- Queres, queres ( a mãe colocou-o, o filho atirou o dito chapéu ao chão e ficou tudo bem)
- Não dispas os calções filho!
- (Despiu)
E fizeram-se ao mar. Todos sem chapéu e um membro pequenito a fazer nudismo. Na areia molhada, saltaram, riram, criaram fortalezas, atiraram areia uns aos outros e brincaram como se todos fossem da mesma idade! Na hora do banho o pai pegou no miudo, levou-o à água mas dada a relutância do filho em encarar as ondas, devolveu-o à margem para chapinhar ao seu ritmo. De quando em vez ele chamava os pais para o verem a dar um mergulho na areia / água, dependendo das ondas...

O casal da esquerda chegou, abriu o guarda-sol, estendeu as toalhas, despiram-se todos sozinhos e entregaram a roupa à mãe que, meticulosamente, a arrumou nas varetas do guarda-sol azul, o pai começou a espalhar o creme pelos corpos das crianças e só parou quando estas ficaram brancas como a cal e, depois, inesperadamente, pelo menos para mim, diz-lhes para se sentarem na sombra, perto da mãe. O pai vai à água, traz os baldes cheios e entrega-os para que possam brincar mesmo ali. Os dois futuros arquitectos edificaram um castelo digno de um conto de fadas... mas sempre acompanhados pelas frases imperativas dos pais:
- Cuidado com a areia. Para a toalha, não!
- Não te quero ao sol!
- Não metas a pá à boca!
- Pede ao pai para ir buscar mais água. Não te quero no mar sozinho!
- Não dispas os calções. A pilinha constipa-se e depois espirra!
(Juro-vos que ouvi isto!)
Entre uma ordem e outra a mãe, pacientemente, lá os ajudava e estava sempre a perguntar-lhes se tinham fome ou sede. Na altura do banho, saem da sombra e rumaram ao mar. Os quatro. Os miudos eram engraçados e íam ao saltos e a gritar. Nem as braçadeiras do Noddy lhes travavam os movimentos. O pai pega no mais novo ao colo. Entra na água. A criança grita. Não quer. Impávido e sereno, o pai mergulha mesmo assim. O mais velho pensando que a sua sorte seria a mesma, desata a correr, obrigando a mãe a fazer o mesmo. E quando pára a mãe segura-lhe na mão e diz-lhe qualquer coisa que o acalma. Felizmente, num acto de inteligência, o pai desiste e brinca com ambos na areia molhada. Já passou.
Visualizando todos os pormenores faço as minhas comparações... eu que não sou mãe e que desconheço algumas destas preocupações enquanto filha adulta que sou e filha pequena que já fui... Reprovo alguns destes comportamentos e reflicto sobre outros. Qual será a educação mais apropriada para as nossas crianças? A permissiva ou a rigorosa? Será que há um ideal ou é antes a combinação das duas que funciona melhor? Não vi nenhuma destas crianças de que vos falei “infeliz”... e têm, a meu ver, perspectivas completamente diferentes!
O casal da esquerda “corta” constantemente os movimentos dos seus filhos. A palavra “não” é uma constante e vocábulo fácil. A liberdade, conceito tão digno de um dia de praia, é quase inexistente. Protegem mas não deixam que os filhos vivam a areia, o mar e o sol. Mostraram-se sempre muito cuidadosos e atentos. Preocupados.
O casal da direita solta as “rédeas” ao petiz... deixa-o correr, nem que seja em cima das pessoas que os circundam, deixa-o cair, deixa-o provar areia, se ele quer tirar os calções tudo bem, se não quer comer então come mais logo, se quer berrar que berre, se quer todas as toalhas menos a dele então assim será, se quer chamar má à mãe só porque ela o repreendeu por causa da areia que ele lhe atirou está tudo fantástico... Deixaram fazer tudo o que ele queria, é certo, mas para isso “anularam-se”...
Tudo, em tudo, distinto. Duas famílias completamente diferentes com crianças que serão, inevitavelmente, diferentes no futuro...
E chego à conclusão que é fácil criticar e apontar o que está menos bem feito, de acordo com o nosso ponto de vista! Só assim me parece mais justo fazê-lo. O difícil, tenho a certeza, é educar porque não há regras, nem livros de ajuda, porque todos somos diferentes e porque a vida que é a de hoje não será, com toda a certeza, a mesma de amanhã...
Pego no meu livro novamente... Onde ía eu???
David Mourão Ferreira idolatra as mulheres...

4 comentários:

Anónimo disse...

Eu fui criado num ambiente rigoroso..em que o não era mesmo não…
Acho que deve haver um meio termo em tudo, não se deve dar demasiada liberdade mas não se deve travar o crescimento.
Eu, como pai, costumo dizer que só a cair é que eles aprendem…Por isso deixo-os “malhar”.
Não tolero má educação e é, nesse ponto, que sou mais rigoroso. Há alturas para tudo, para brincar, para trabalhar..têm de saber os momentos apropriados.
Mas eu não sou psicólogo nem pediatra…cometo muitos erros.

Selene disse...

Nem os psicólogos nem os pediatras acertam sempre... é certo que a teoria está lá, mas todos sabemos que na prática é tudo diferente porque estamos a lidar com pessoas... pequeninas :))

Beijoca

Anónimo disse...

........"á vista do pano é que se talha a obra". Acima de tudo bom senso.

Li num blog infantil algo curioso.Um miudo escreveu sobre o seu dia de praia: "pois é, estava eu com os meus cotas na praia e uma loira passou o dia inteiro a fingir que lia e a ouvir tudo o que fazíamos e diziamos.....ganda cusca""" (rsrsrsrsrsrsrsr)

Selene disse...

eheheh... não me coube a carapuça!!! Estes meninos eram pequeninos demais para escrever semelhante texto!!!
:))