Manhã de Agosto. Sol. O vento, misteriosamente, desapareceu. À frente dos meus olhos, na linha de horizonte, apenas o mar. A praia que escolhi é quase deserta. Quase.
Estendo a toalha, dispo o vestido, e deito-me confortavelmente na areia na esperança de disfrutar ao máximo a minha leitura. De David Mourão Ferreira, o livro. Um dos meus escritores preferidos. Abro o livro e leio-o enquanto o sol me toca na pele e a vai queimando. Entrego-me a esta sensação fantástica de pertencer à Natureza: a pele é do sol, o corpo encaixado na areia fina e os sentidos direccionados apenas para o barulho e sabor do mar! Devoro as palavras. Chego a querer parar a minha leitura. É quase como saborear uma refeição que, por estar tão saborosa, apetece comer devagarinho para esmiuçar cada sabor e condimento... Não quero apressar nada.
Gostaria de ser esta mulher que o escritor define. Nunca li descrição mais fiel e pormenorizada. Nunca conheci ninguém que falasse tão bem de e sobre mulheres como ele. Penso que talvez as conhecesse bem demais ( se é que isso é possível). Descobre-lhes os defeitos mais mesquinhos e poeirentos e exibe e enaltece as qualidades de Deusas que diz possuirem. Ama-as e admira-as...
Entretanto, quase em simultâneo, juntam-se a mim, na minha praia deserta, dois casais. Estrategicamente, ou não, fico no meio deles. Mais uma vez interrogo interiormente: por que razão com tanto espaço à volta as pessoas gostam de estar pertinho umas das outras?? Será que é por uma questão de segurança?? Não que eu tenha a veleidade de pensar que estes casais simpáticos vejam em mim uma salva-vidas mas talvez pensem que “como é novita e tal (eu não disse que eram simpáticos??!!) talvez tenha boa goela para gritar por socorro!” Ok, novita sou, tenho boa goela, também é verdade, mas odeio gritos! Adiante.
Dois casais, dois guarda-sóis, os devidos sacos e três criancinhas que, entretanto, encetaram uma luta dolorosa com a roupa que trazem vestida... a vontade de brincar está espelhada nos seus olhos.
Atenta a estas coisas de “educação” dou por mim a ocupar o meu tempo a observar e “ouvir” (é inevitável) estas famílias vizinhas à minha toalha.
Ambos são casais novos. O da minha direita tem apenas um filho (4/5 anos); o da esquerda vem equipado com dois (um rapazito de ¾ anos e outro mais velhito um pouco). And now, find the differences:
O casal da direita chegou, abriu o guarda-sol, estendeu as toalhas, despiram toda a roupa que foi atabalhoadamente colocada em cima de um qualquer saco, não espalharam creme algum pelo corpo (talvez o tivessem feito ainda em casa) e :
- Queres o balde João?
- Na quéo...
- Queres a pá?
- Na quéo...
- Anda cá para te pôr o chapéu...
- Na quéo (Zangado)
- Queres, queres ( a mãe colocou-o, o filho atirou o dito chapéu ao chão e ficou tudo bem)
- Não dispas os calções filho!
- (Despiu)
E fizeram-se ao mar. Todos sem chapéu e um membro pequenito a fazer nudismo. Na areia molhada, saltaram, riram, criaram fortalezas, atiraram areia uns aos outros e brincaram como se todos fossem da mesma idade! Na hora do banho o pai pegou no miudo, levou-o à água mas dada a relutância do filho em encarar as ondas, devolveu-o à margem para chapinhar ao seu ritmo. De quando em vez ele chamava os pais para o verem a dar um mergulho na areia / água, dependendo das ondas...
O casal da esquerda chegou, abriu o guarda-sol, estendeu as toalhas, despiram-se todos sozinhos e entregaram a roupa à mãe que, meticulosamente, a arrumou nas varetas do guarda-sol azul, o pai começou a espalhar o creme pelos corpos das crianças e só parou quando estas ficaram brancas como a cal e, depois, inesperadamente, pelo menos para mim, diz-lhes para se sentarem na sombra, perto da mãe. O pai vai à água, traz os baldes cheios e entrega-os para que possam brincar mesmo ali. Os dois futuros arquitectos edificaram um castelo digno de um conto de fadas... mas sempre acompanhados pelas frases imperativas dos pais:
- Cuidado com a areia. Para a toalha, não!
- Não te quero ao sol!
- Não metas a pá à boca!
- Pede ao pai para ir buscar mais água. Não te quero no mar sozinho!
- Não dispas os calções. A pilinha constipa-se e depois espirra! (Juro-vos que ouvi isto!)
Entre uma ordem e outra a mãe, pacientemente, lá os ajudava e estava sempre a perguntar-lhes se tinham fome ou sede. Na altura do banho, saem da sombra e rumaram ao mar. Os quatro. Os miudos eram engraçados e íam ao saltos e a gritar. Nem as braçadeiras do Noddy lhes travavam os movimentos. O pai pega no mais novo ao colo. Entra na água. A criança grita. Não quer. Impávido e sereno, o pai mergulha mesmo assim. O mais velho pensando que a sua sorte seria a mesma, desata a correr, obrigando a mãe a fazer o mesmo. E quando pára a mãe segura-lhe na mão e diz-lhe qualquer coisa que o acalma. Felizmente, num acto de inteligência, o pai desiste e brinca com ambos na areia molhada. Já passou.
Visualizando todos os pormenores faço as minhas comparações... eu que não sou mãe e que desconheço algumas destas preocupações enquanto filha adulta que sou e filha pequena que já fui... Reprovo alguns destes comportamentos e reflicto sobre outros. Qual será a educação mais apropriada para as nossas crianças? A permissiva ou a rigorosa? Será que há um ideal ou é antes a combinação das duas que funciona melhor? Não vi nenhuma destas crianças de que vos falei “infeliz”... e têm, a meu ver, perspectivas completamente diferentes!
O casal da esquerda “corta” constantemente os movimentos dos seus filhos. A palavra “não” é uma constante e vocábulo fácil. A liberdade, conceito tão digno de um dia de praia, é quase inexistente. Protegem mas não deixam que os filhos vivam a areia, o mar e o sol. Mostraram-se sempre muito cuidadosos e atentos. Preocupados.
O casal da direita solta as “rédeas” ao petiz... deixa-o correr, nem que seja em cima das pessoas que os circundam, deixa-o cair, deixa-o provar areia, se ele quer tirar os calções tudo bem, se não quer comer então come mais logo, se quer berrar que berre, se quer todas as toalhas menos a dele então assim será, se quer chamar má à mãe só porque ela o repreendeu por causa da areia que ele lhe atirou está tudo fantástico... Deixaram fazer tudo o que ele queria, é certo, mas para isso “anularam-se”...
Tudo, em tudo, distinto. Duas famílias completamente diferentes com crianças que serão, inevitavelmente, diferentes no futuro...
E chego à conclusão que é fácil criticar e apontar o que está menos bem feito, de acordo com o nosso ponto de vista! Só assim me parece mais justo fazê-lo. O difícil, tenho a certeza, é educar porque não há regras, nem livros de ajuda, porque todos somos diferentes e porque a vida que é a de hoje não será, com toda a certeza, a mesma de amanhã...
Pego no meu livro novamente... Onde ía eu???
David Mourão Ferreira idolatra as mulheres...