sexta-feira, setembro 07, 2007

A porta do quarto fecha-se bruscamente atrás de ambos! Quase imediatamente, como se fosse um caso de vida ou de morte e se necessitasse urgentemente de ar, os seus lábios unem-se... os braços atropelam-se na ansiedade de se voltarem a tocar... as horas que os separaram pareciam uma eternidade, demasiado longa para ser suportada de ânimo leve... os corpos reconhecem-se, moldam-se e tocam-se...

Seria hoje a despedida? Sim. Não?! Talvez...

Talvez cada um resolvesse seguir a vida que tinha escolhido antes. Uma vida que estava suficientemente preparada, estabelecida por eles e por outras pessoas que a partilhavam. Estavam conscientes, agora, que o que fora construído até então poderia viver durante muitos anos sem que os olhos de ambos se vissem. Era tão forte que sobreviveria a intempéries de tempo, distância e outras partilhas. O que tinham sentido, até ali, seria auto-suficiente, forte e perduraria independentemente do que o futuro e a vida possam trazer...
Sabiam-no. Como ninguém. Mas não falaram.

Ali os corpos completavam-se e os desejos mais profundos vierem à tona. Seriam apenas um. Aliás, creio até, que o foram sempre. Desconheciam e desconfiavam agora... ele adivinhava-lhe os pensamentos, ela as atitudes... ele completava-a, ela preenchia-o... ele ouvia-a atentamente, ela entendia-o na perfeição... ambos sonhavam, alto, riam-se dos sonhos, construíam vidas paralelas, viviam-na e ela ganhava vida... E, de tão reais que se tornavam as fantasias conjuntas, transformavam-se em actos palpáveis, com odor, com gosto e presentes!

O que viveram em conjunto nos dias anteriores tinha-os fortalecido... ou enfraquecido! As músicas ouvidas, escolhidas e interpretadas, dedicadas a um determinado momento, a um segundo apenas... as refeições sempre fugazes, entre risos e conversas rápidas, o degustar de uma comida que foi sempre considerada “inútil” já que o alimento vinha do sorriso, do olhar e do toque... as conversas mais ou menos filosóficas, mais ou menos sérias, mais ou menos intelectuais que apenas serviam para ouvir a voz de cada um deles e para observar as expressões do rosto... o espreguiçar de corpos nús, deitados na cama, entre lençóis, as mãos a percorrer e descobrir cada pedaço, a respiração partilhada que entretanto acalmou... aqueles momentos em que o mundo parou, literalmente, e o silêncio imperou entre os dois... as brincadeiras de almofadas, de força, de água, de cócegas que se desenvolveram infantilmente mas deixou-os livres... as palavras que disseram mais aquelas que não foram ditas e mais aquelas que ficaram por dizer e mais aquelas que não foram ditas mas sentidas em pensamentos... os cumprimentos tímidos de quem não se vê há horas e as despedidas dolorosas...

Seria hoje a despedida? Sim. Não?! Talvez...

A porta do quarto fechou-se, novamente. Pelo corredor apenas as não palavras. As pernas tremem e o coração ficou reduzido quase a pó. Despedem-se. Voltam costas e seguem caminhos opostos! Naquele momento toda a rua, todos os carros, todos as casas, todas as pessoas parecerem insignificantes... estranhamente desnecessárias!!
Em passos diferentes... em direcções opostas... o ser que era “um” voltou a dividir-se e, desta vez, apenas o une o mesmo pensamento: o pretérito nunca existiu, o presente passou rapidamente a passado e o amanhã já não lhes pertence...

Terá sido aquele dia a despedida? Talvez...

terça-feira, setembro 04, 2007

ARACNO-bllhheck-FOBIA

Com este título não há que enganar sobre o teor do meu texto. Há falta de melhor, descrevo-vos quatro situações. Apenas os actores secundários se repetem. As actrizes principais, todas elas personagens-tipo, embora da mesma raça, possuem características distintas. Apresento-as.

Miquinhas – a aranha campestre ( é robusta, de pêlo na venta, rechonchuda e imponente. Mexe-se como ninguém e é activa. As suas teias estão por todo o lado porque é trabalhadora e perspicaz).

Maria Emília – a aranha citadina (êxodo rural – saíu do campo e veio viver para a cidade. Desde aí mudou de nome. Agora é Lili. Um petit nom que se coaduna com a sua falta de pêlo, fruto da depilação a laser, da sua estrutura delgada e pose altiva. As suas teias, normalmente, ficam sempre perto de um espelho ou de um vidro. Vá-se lá entender o porquê destas bichices).

X8 – a aranha futurista ( Fina, quase sem cor e esquiva. Esconde-se nos nossos aparelhos electrónicos, nos buracos mais pequenos e gosta de construir teias em dois locais específicos: ou atrás de televisões, mantendo-se sempre informada, ou em carros, adora viajar).

Edna – a aranha estrangeira ( esta, de nacionalidade caboverdiana. É estranha, diferente e mais à frente compreenderão porque razão faz parte de um grupo minoritário. De média estatura destaca-se pelo ar exótico e queimado do sol.)

Apresentadas que estão as protagonistas partilho convosco os filmes.

1ª Situação
Na aldeia dos avós:
- Vai lavar as uvas antes de as comeres. Estão cheias de sulfato. Faz mal.
- Avôôôôôôô... está uma aranha gigante na lava-louças....
- E?
- Não consigo lavar as uvas assim...
- Deixa-te de fitas. Antes de chegares já ela estava aí. Respeita-a.

Conclusão: Não lavei as uvas. Comi-as mesmo assim. Diarreia no dia seguinte.
Resultado: Um ponto para a Miquinhas.

2ª Situação

Cidade Universitária. Oitavo andar. A minha vez de trocar de bilha (salvo seja!) de gás. Dirijo-me ao elevador. A porta abre-se:
- Susaaaaaaaaaanaaaaaaaaaa...
- Sim? O que foi?
- Está uma aranha enorrrrme no espelho do elevador. Não consigo entrar.
- É assim tão grande para não caberes?
- Tenho medo. Vá, anda cá.
- Não posso. Lamento. Acabei agora de pintar as unhas dos pés.

Conclusão: oito andares a descer a pé, oito andares a subir com uma bilha de gás cheia e pesada.
Resultado: A Lili levou-me à letra. Um ponto para ela.

3ª Situação

Viagem de carro. Numa via rápida. Subitamente, do espelho retrovisor, desce uma aranha, senhora do seu nariz, como se partilhasse comigo a mensalidade do carro, ao banco. Piscas e páro bruscamente na berma. Alguns minutos mais tarde e outro carro se junta a mim.
- Então menina o que se passa?
- Vai achar que sou doida mas está uma aranha gigante no meu carro.
- (rindo) Onde? Vou apanhar a sacana.
- Já está?
- Não a vejo, acho que fugiu. Ou morreu de susto com a sua travagem.
- Não posso seguir viagem sabendo-a aí!
- Olhe o mais certo é ter escapado no momento em que abriu a porta!
Alegrou-me mas não me convenceu. Segui viagem. Que remédio!

Conclusão: Dinheiro gasto numa limpeza extra de interiores.
Resultado: Vencida uma vez mais. Numa guerra desigual!!

4ª Situação:
- Bavvvvvvvaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa....
- Diga menina!
- Está uma aranha esquisita na outra janela do meu quarto!
- É esquisita porque é a única no mundo que não faz teia. Apanha os bichos no ar.
- Lindo. Uma raridade e logo na MINHA janela????
- Não fazem mal menina.
- Mas estão em vias de extinção?
- Quê?
- Se há muitas?
- Sim, por todo o lado..
- Então venha cá cima, por favor, assassinar esta...
- Agora não posso menina...

Conclusão: noite mal dormida, janela aberta, corrente de ar vinda do mar, demasiado fresca, constipação certa.
Resultado: One point to Cabo-Verde; Zero to Portugal. Edna é miss.

Alguém me disse que deveria ver o filme “Aracnofobia” para perder o medo. Não sei quem foi o/a iluminado/a. Não resultou. Durante meses sacudi todo o meu calçado antes de o calçar; andar de mota nem pensar porque isso implicava colocar um capacete; quando entrava na cave da casa dos meus pais examinava cada canto meticulosamente e, talvez o mais grave, eduquei o meu ouvido na direcção dos grilos. Supreendido/as??!

É que onde há grilos não há aranhas grandes...

Bllhheck....

domingo, setembro 02, 2007

Um dia de praia...

Manhã de Agosto. Sol. O vento, misteriosamente, desapareceu. À frente dos meus olhos, na linha de horizonte, apenas o mar. A praia que escolhi é quase deserta. Quase.
Estendo a toalha, dispo o vestido, e deito-me confortavelmente na areia na esperança de disfrutar ao máximo a minha leitura. De David Mourão Ferreira, o livro. Um dos meus escritores preferidos. Abro o livro e leio-o enquanto o sol me toca na pele e a vai queimando. Entrego-me a esta sensação fantástica de pertencer à Natureza: a pele é do sol, o corpo encaixado na areia fina e os sentidos direccionados apenas para o barulho e sabor do mar! Devoro as palavras. Chego a querer parar a minha leitura. É quase como saborear uma refeição que, por estar tão saborosa, apetece comer devagarinho para esmiuçar cada sabor e condimento... Não quero apressar nada.
Gostaria de ser esta mulher que o escritor define. Nunca li descrição mais fiel e pormenorizada. Nunca conheci ninguém que falasse tão bem de e sobre mulheres como ele. Penso que talvez as conhecesse bem demais ( se é que isso é possível). Descobre-lhes os defeitos mais mesquinhos e poeirentos e exibe e enaltece as qualidades de Deusas que diz possuirem. Ama-as e admira-as...
Entretanto, quase em simultâneo, juntam-se a mim, na minha praia deserta, dois casais. Estrategicamente, ou não, fico no meio deles. Mais uma vez interrogo interiormente: por que razão com tanto espaço à volta as pessoas gostam de estar pertinho umas das outras?? Será que é por uma questão de segurança?? Não que eu tenha a veleidade de pensar que estes casais simpáticos vejam em mim uma salva-vidas mas talvez pensem que “como é novita e tal (eu não disse que eram simpáticos??!!) talvez tenha boa goela para gritar por socorro!” Ok, novita sou, tenho boa goela, também é verdade, mas odeio gritos! Adiante.
Dois casais, dois guarda-sóis, os devidos sacos e três criancinhas que, entretanto, encetaram uma luta dolorosa com a roupa que trazem vestida... a vontade de brincar está espelhada nos seus olhos.
Atenta a estas coisas de “educação” dou por mim a ocupar o meu tempo a observar e “ouvir” (é inevitável) estas famílias vizinhas à minha toalha.
Ambos são casais novos. O da minha direita tem apenas um filho (4/5 anos); o da esquerda vem equipado com dois (um rapazito de ¾ anos e outro mais velhito um pouco). And now, find the differences:

O casal da direita chegou, abriu o guarda-sol, estendeu as toalhas, despiram toda a roupa que foi atabalhoadamente colocada em cima de um qualquer saco, não espalharam creme algum pelo corpo (talvez o tivessem feito ainda em casa) e :
- Queres o balde João?
- Na quéo...
- Queres a pá?
- Na quéo...
- Anda cá para te pôr o chapéu...
- Na quéo
(Zangado)
- Queres, queres ( a mãe colocou-o, o filho atirou o dito chapéu ao chão e ficou tudo bem)
- Não dispas os calções filho!
- (Despiu)
E fizeram-se ao mar. Todos sem chapéu e um membro pequenito a fazer nudismo. Na areia molhada, saltaram, riram, criaram fortalezas, atiraram areia uns aos outros e brincaram como se todos fossem da mesma idade! Na hora do banho o pai pegou no miudo, levou-o à água mas dada a relutância do filho em encarar as ondas, devolveu-o à margem para chapinhar ao seu ritmo. De quando em vez ele chamava os pais para o verem a dar um mergulho na areia / água, dependendo das ondas...

O casal da esquerda chegou, abriu o guarda-sol, estendeu as toalhas, despiram-se todos sozinhos e entregaram a roupa à mãe que, meticulosamente, a arrumou nas varetas do guarda-sol azul, o pai começou a espalhar o creme pelos corpos das crianças e só parou quando estas ficaram brancas como a cal e, depois, inesperadamente, pelo menos para mim, diz-lhes para se sentarem na sombra, perto da mãe. O pai vai à água, traz os baldes cheios e entrega-os para que possam brincar mesmo ali. Os dois futuros arquitectos edificaram um castelo digno de um conto de fadas... mas sempre acompanhados pelas frases imperativas dos pais:
- Cuidado com a areia. Para a toalha, não!
- Não te quero ao sol!
- Não metas a pá à boca!
- Pede ao pai para ir buscar mais água. Não te quero no mar sozinho!
- Não dispas os calções. A pilinha constipa-se e depois espirra!
(Juro-vos que ouvi isto!)
Entre uma ordem e outra a mãe, pacientemente, lá os ajudava e estava sempre a perguntar-lhes se tinham fome ou sede. Na altura do banho, saem da sombra e rumaram ao mar. Os quatro. Os miudos eram engraçados e íam ao saltos e a gritar. Nem as braçadeiras do Noddy lhes travavam os movimentos. O pai pega no mais novo ao colo. Entra na água. A criança grita. Não quer. Impávido e sereno, o pai mergulha mesmo assim. O mais velho pensando que a sua sorte seria a mesma, desata a correr, obrigando a mãe a fazer o mesmo. E quando pára a mãe segura-lhe na mão e diz-lhe qualquer coisa que o acalma. Felizmente, num acto de inteligência, o pai desiste e brinca com ambos na areia molhada. Já passou.
Visualizando todos os pormenores faço as minhas comparações... eu que não sou mãe e que desconheço algumas destas preocupações enquanto filha adulta que sou e filha pequena que já fui... Reprovo alguns destes comportamentos e reflicto sobre outros. Qual será a educação mais apropriada para as nossas crianças? A permissiva ou a rigorosa? Será que há um ideal ou é antes a combinação das duas que funciona melhor? Não vi nenhuma destas crianças de que vos falei “infeliz”... e têm, a meu ver, perspectivas completamente diferentes!
O casal da esquerda “corta” constantemente os movimentos dos seus filhos. A palavra “não” é uma constante e vocábulo fácil. A liberdade, conceito tão digno de um dia de praia, é quase inexistente. Protegem mas não deixam que os filhos vivam a areia, o mar e o sol. Mostraram-se sempre muito cuidadosos e atentos. Preocupados.
O casal da direita solta as “rédeas” ao petiz... deixa-o correr, nem que seja em cima das pessoas que os circundam, deixa-o cair, deixa-o provar areia, se ele quer tirar os calções tudo bem, se não quer comer então come mais logo, se quer berrar que berre, se quer todas as toalhas menos a dele então assim será, se quer chamar má à mãe só porque ela o repreendeu por causa da areia que ele lhe atirou está tudo fantástico... Deixaram fazer tudo o que ele queria, é certo, mas para isso “anularam-se”...
Tudo, em tudo, distinto. Duas famílias completamente diferentes com crianças que serão, inevitavelmente, diferentes no futuro...
E chego à conclusão que é fácil criticar e apontar o que está menos bem feito, de acordo com o nosso ponto de vista! Só assim me parece mais justo fazê-lo. O difícil, tenho a certeza, é educar porque não há regras, nem livros de ajuda, porque todos somos diferentes e porque a vida que é a de hoje não será, com toda a certeza, a mesma de amanhã...
Pego no meu livro novamente... Onde ía eu???
David Mourão Ferreira idolatra as mulheres...