sábado, outubro 27, 2007

E se o amanhã nunca chegar ?



"Falar em perdas é falar em solidão, tristeza, desesperança, medo. Quando digo perdas, não estou apenas me referindo aos que morrem, mas a todos que de alguma forma, nos deixam prematuramente, antes que estejamos preparados.
Um amigo que se muda para longe, um namoro interrompido abruptamente e até mesmo um ente querido que se vai, provoca sempre em nós uma sensação de vazio.
E porquê isso? Porque sofremos tanto, mesmo sabendo que estas perdas ou partidas inesperadas são inerentes á vida, e que portanto, náo podemos controlá-las?
Não saberia responder com precisão á pergunta feita em cima, mas, o que me parece mais coerente é que nunca estaremos prontos para nos acostumarmos com a falta dos que amamos. Por mais que saibamos, que a qualquer momento eles nos faltarão, temos sempre a predisposição em acreditarmos que quem nos ama nunca nos traíria , nos privando do seu carinho, afecto e amor.
Ledo engano. São justamente os que mais amamos, que mais nos machucam com suas partidas inesperadas. Vão-se sem aviso prévio, e levam a nossa felicidade, a fé na vida, o equílibrio ...
O que fazer então? Não amarmos? Não nos permitirmos gostar de alguém pelo simples facto de que seremos, mais cedo ou mais tarde, deixados para trás na vida, entregues ás nossas angústias e remorsos por não termos dito tudo ou não termos feito o suficiente por eles? Creio que não. Se há algo na vida que mais nos trás felicidade, é sabermos que somos queridos e não seria honesto nos privarmos de tal sentimento por covardia.
Um amor de pai e mãe, o carinho de um amigo ou o afecto de uma relação a dois, deve sempre se sobrepor ao medo da perda. Porque ela é inevitável; o sentimento não. Deve de ser exercitado, todos os dias de nossas breves vidas.
Ele é o que nos move, nos dá o chão para que possamos caminhar pela vidacom a certeza de que, haja o que houver, teremos sempre alguém com quem contar, que nos apoiará mesmo nos momentos em que não tenhamos razão.
Esta, meus amigos, deve de ser a maior lição deixada pelos que partem sem nos avisar: lembrar-nos que devemos sempre curtir aqueles que amamos com a intensidade proporcional á brevidade de uma vida. Porque quando nos faltarem, saberemos que amámos e fomos amados, que demos e recebemos todo carinho esperado, que construímos um sentimento que nenhuma perda poderá apagar. Este sentimento transcende o espaço e o tempo, não se limita ao contacto físico.
Torna-se parte de nós, impregnado em nossa alma, nos confortando nos dias dificeís, sendo cúmplices de nossas vitórias pessoais, norteando nossa conduta, nos fazendo sentir eternamente amados.
Que me perdoem os físicos, mas neste caso, acredito sim que dois corpos podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Basta que permitamos, sentir a presença dos que amamos, dentro de nós, como se fossem parte de nossa alma.
Só assim seremos inteiros. "

Luiz Henrique Zanforlin

Por vezes somos afectados por estados de espiríto, provocados por situações inesperadas, confusas e tristes. Estou num desses momentos da minha vida, e este texto acima transcrito, foi-me enviado por email, por uma pessoa muito querida, e traduz na perfeição o estado em que me encontro. Ao descrever-me neste exacto momento, eu própria não encontraria melhor forma.... por isso decidi partilhar com quem me lê ...

Pandora

segunda-feira, outubro 22, 2007


Conheceram-se como se conhecem a maioria dos amantes, por acaso. Não viram nada de especial um no outro, não trocaram números, não tiveram intenção de se voltar a ver, dormiram sem pensar um no outro…mas, o acaso uniu-os de maneira inesperada.

“- Mariana? – perguntou ele numa das muitas ruas que percorria até casa.
- Sim…- disse ela sem se lembrar, ao certo, da pessoa que falava para ela.
- Sou eu, o João…Conhecemo-nos no…
- João…lembro-me!”



Tão fulminante como o primeiro encontro, foi o segundo, daí partiram para o terceiro…arranjando sempre algo mais para fazer…algum tempo mais para pensar se era realmente aquilo que estava previsto…assim passaram uns meses… não, não estou a exagerar…assim passaram uns meses.

“-Tens sonhos? – perguntou-lhe ele numa daquelas em que se dedicavam um ao outro.
- Sonhos? Que tipo de sonhos?
- Tens objectivos para o futuro? Por exemplo…comprar um Ferrari! – brincou ele.
- Tenho…- disse ela tristemente.
- Posso saber quais?
- Não importa…não vai haver futuro…”


Ainda agora se culpa por não ter questionada aquela afirmação…ainda se culpa por não a ter agarrado e dito que sim, que tinha futuro…que ela era o futuro dele…ele o dela…Ele sabia, mas ela sabia mais.

Costumam dizer que as más notícias correm depressa, às vezes deviam correr mais depressa, ser mais, talvez assim poupassem algum sofrimento.

“- E putos?
- Putos? – perguntou ela amparando-se no ombro dele.
- Sim, putos..Bebés, chorões, miúdos, crianças, filhos..aquelas coisinhas pequeninas?
Ela riu e não disse nada.
- Não queres coisas pequeninas para te chatearem? – insistiu ele.
- Não.
- Não? Não acredito, Mariana!
- Não tenho tempo…
- O trabalho não é tudo…E eu quero ter milhentos!
- João, tenho que te contar uma coisa..”


Naquela noite chorou, chorou muito, como prometera não fazer…Ela embalava-o junto ao peito, como quem embala um bebé de colo. Sussurrava-lhe coisas impensáveis ao ouvido, secava-lhe as lágrimas com os seus beijos…a doença já era parte dela, já não a surpreendia apesar das fortes investidas…

“- Vamos consultar outros médicos, vamos a outros países…tem de haver cura..tudo tem cura!
- Não há, João.
- Vem comigo, eu encontro…prometo-te que encontro! – dizia enquanto lhe agarra a mão branca.
-Não quero passar o tempo a viajar de hospital em hospital…eu nunca estive melhor.
- O que é que eu posso fazer?
- Nada.
João levou as mãos à face tentando conter a nova investida das lágrimas.
- Podes fazer uma coisa… - emendou ela.
- Diz..Eu faço tudo!
- Abraça-me.”



Passaram-se dois anos…A doença não se manifestava todos os dias, não se manifestava com muita força, deixando espaço para alguns sonhos…para algumas esperanças.

“ E putos? – perguntou ele novamente.
- Putos?
- Sim, putos…bebés, chorões, crianças, filhos…aquelas coisas pequeninas..
- Não tenho tempo, eu…
- Tens! – interrompeu-a ele. – E vais ser uma excelente mãe!”
Era Verão quando ele a encontrou a chorar, era Verão quando ele viu a fiada de cabelos que havia caído…era Verão quando a doença decidiu mostrar-se…Foi no Outono que se revelou…

“ Não imaginas a raiva que aquele homem me mete…- desabafou ele. – Não merece respirar..
- Sai. – disse ela olhando para a porta.
- O quê? Que se passa?
- Nunca imaginei que fosses fútil ao ponto de dizer uma coisa dessas…
- Amor..estou a falar por falar…então?
- SAI! SAI DAQUI PARA FORA! – disse ela empurrando-o. – Não te quero ver mais há minha frente, João! Nunca mais.
- Mas Mariana…
- SAI!.”
Ele fez-lhe a vontade…Saiu, olhando para trás a cada passo…pensando que tudo se resolveria no dia seguinte…que era apenas uma discussão, que tudo se resolveria…ela sabia mais.
Passadas quatro horas recebeu a notícia…Tinha desfalecido e nunca mais acordara…Mariana tinha morrido.

Vestiu o seu fato preto…colocou o papel no bolso interior. Pegou na flor preferida dela, em tons de amarelo e colocou-a no bolso…

Quanto todos se afastaram, a muito custo, debruçou-se sobre a cova fresca…amaldiçoando Deus e os Deuses…olhou para o fundo castanho debruado a dourado, tirou o papel que tinham escrito…pigarreou e começou a ler…o que ele leu…só eles sabem…o que eles sentiam, é obvio.




Em memória de Alexandra...