sábado, maio 12, 2007

Os meus pais...

Esta é a primeira vez que escrevo um texto deste género. Uma homenagem??
Nunca antes os meus textos tiveram apenas um destinatário... os meus pais!! No entanto, agora, partilho-o convosco...

Amo-os da mesma forma. Com a mesma intensidade, admiração e respeito... mas o meu pai marcou-me, e marca-me, de uma forma especial. É o meu exemplo máximo. Representa aquilo que eu quero ser quando for grande.
Quando olhamos para o meu pai vemos um homem sério, a barba branca, meticulosamente aparada, confere-lhe aquele ar autoritário que nunca perdeu... os olhos são pequenos, castanhos, mas expressivos. Sabia perfeitamente interpretar os seus olhares e todas as mensagens que passavam sem proferir uma única palavra: “estás definitivamente de castigo” (mais vezes do que desejei), “horas de deitar”, “já estudou?”, “esta miúda dá-me cabo dos nervos”... e lembro-me com bastante frequência da frase dita por ele infinitamente: “Devia dar-te os parabéns?! Não. Os resultados são teus, para o teu bem. Fico feliz.” Muitas vezes o achei injusto e mau porque sobre as minhas falhas e os meus erros conversávamos sempre... sobre os meus sucessos nem por isso!!
A minha mãe é muito bonita e fica toda contente quando vamos a alguma loja e, enquanto ela experimenta uma roupa lhe perguntam: “ Quer que vá chamar a sua irmã para dar a sua opinião?”; “É minha filha e sim, pode chamá-la se faz favor.” É vaidosa, herdei isso dela, e diz que nunca tem nada para vestir apesar de ter um casaco para cada dia do mês, se assim o entendesse.
É uma verdadeira dona de casa, uma excelente cozinheira (nunca hei-de saber fazer um arroz como o dela) e, apesar de não ser muito dada a expressar os seus sentimentos, era a primeira a sair do trabalho a correr quando nos acontecia alguma coisa. Nunca me contou histórias, como o pai, mas ensinou-me a ser mulher.

Quando era ainda pequenina tinha medo de ficar sozinha no quarto. A minha irmã, mais valente, ficava sempre na sua cama em dias calmos ou de tempestade. Eu não. Nos dias de trovoada (ainda hoje fico nervosa), nas noites dos pesadelos, nas insónias, lá ía eu, de almofada em punho para a cama dos meus pais. O meu pai abraçava-me, contava-me uma história ao ouvido, adormecia e no dia seguinte acordava sempre na minha cama...
Enquanto adolescente dei-lhe algumas dores de cabeça. Nada de grave, sei-o hoje. Coisas de miúda que, sendo a mais nova, se queria impôr, redefinir e questionar regras antigas, galgar terreno nunca antes conquistado. Como me custou caro esta atitude, às vezes. “Esta miúda vai ser comunista”, brincava o pai... Era boa aluna apesar de não me dedicar como ele gostaria.
(fim do 2º Período Lectivo)
- Pai, hoje tenho treino.
- E?
- Levas-me?
- Qual foi a tua nota a Matemática?
- Mas às outras disciplinas tive 4s e 5s.
- Perguntei: qual foi a tua nota a Matemática.
- 2.
- Não preciso de dizer mais nada, pois não?
- Mas...
- Já devias saber distinguir um Não. (Com aquele ar impávido e sereno. Não valia a pena tentar mais. Era irredutível)
O meu treinador elogiava-me a velocidade de passe, a força, a garra... porém, uma boa andebolista, na opinião do pai, tem de ser boa aluna a Matemática. Esta disciplina destruiu a minha carreira desportista...
Saídas à noite. Pesadelo. Cheguei a escapar-me pela varanda do meu quarto à sucapa... (esqueci-me que ele vai ler isto). As minhas colegas saíam todas, encontravam-se com os rapazes, davam uns beijitos e eu em casa a olhar para a televisão!!??
- Pai, posso sair logo à noite?
- Vai falar com a tua mãe.
- Mãe, posso sair logo à noite?
- Vai falar com o teu pai.
- Posso decidir eu então?
(Nunca resultava!!) Era o jogo do empurra. Nem a minha irmã se chegava à frente. Raios!! Eu não queria propriamente estar colada a ela. Era só para o disfarce caramba!! Mas a minha irmã não ía em cantigas. Sabia que eu não era de confiar. As duas de manhã dela eram as minhas quatro!!
Resultado: varanda. Nunca fui apanhada. E feliz ficou o meu cão “Sebastião” com as bolachinhas extra. No íntimo ele adorava e ansiava pelas noites de sábado.

Hoje, já adulta, reconheço-lhes todas estas precauções e cuidados. Creio que, quando tiver um filho não mudarei muito a educação e as regras que me foram impostas. Cresci feliz, realizada e sei que a pessoa que sou hoje é exclusivamente mérito deles. Prezo todos os valores que me foram incutidos: o respeito pela diferença, a honestidade, a responsabilidade, o poder do sonho e das palavras, o saber chorar, o significado da palavra “ajudar”, os amigos...
- Estás a mentir.
- Não estou.
- Estás.
- Não estou.
- Se disseres a verdade eu vou ficar feliz...
- Pai, menti...
Apesar de abominar a palavra “mentira”, o meu pai nunca me castigou quando, finalmente, contava a verdade. E isso ensinou-me que dá trabalho mentir. É bem mais fácil dizer a verdade de uma vez por todas...

Há uma altura das nossas vidas que os papéis, inevitavelmente, se invertem. Antigamente cuidavam de mim, vigiavam-me os passos, preocupavam-se se comia, se dormia bem, ficavam doentes se me sentia menos bem... Hoje, assumo na plenitude o papel outrora protagonizado por eles. Vejo-os e sinto-os a envelhecer. E o meu coração envia-me sinais de aviso. Agora, o tempo, pode ser quase contabilizado e não consigo passar um dia sem lhes dizer: “Adoro-vos”...

E aquela música que a mãe nos ensinou...

“Quero levar-te para longe
a um lugar
Onde nunca na vida
Pensaste chegar
Construir um abrigo
Onde estejas comigo
E o teu nome ao vento
Bem alto
Gritar!
...”

sexta-feira, maio 11, 2007

Vem comigo


Vem comigo… ensinar-te-ei o que é amar para sempre.
…aprenderás a descodificar cada suspiro, cada palavra…dita ou não dita…a ouvir o sussurro mais longínquo.
Vem comigo e até o mais profundo sonho será realizado, só peço que venhas comigo. Confias em mim?
Dá-me a tua mão, dá-me todo o teu corpo…vou ensinar-te a sentir o que não imaginas ser possível sentir…mas tens de vir comigo.
Larga tudo…tudo o que te afasta de mim…eu tudo largarei, só para fugir contigo.
Que me dizes?
Vem, não precisamos de mais nada…apenas eu de ti…tu de mim, não negues.
Que me dizes?
Vem comigo, vamos abalroar fronteiras, cortar preconceitos, estabelecer novas metas…tu e eu, nada mais.
Prometo que te ensino a respirar o oxigénio dos abraços…a viver apenas de beijos e longas conversas…Mas tens de vir comigo!
Confias em mim?
Não voltaremos…jamais. Fecharemos portas aos sujeitos passados, rasgaremos as fotografias da mesinha de cabeceira…construiremos uma nova história, só nossa. Tu proteges-me, eu protejo-te…Vem comigo.
Levar-te-ei a lugares apenas palmilhados em sonhos…descobriremos as sensações perdidas…ou por descobrir…tu e eu…que me dizes? Vens comigo?
Dá-me a mão, o corpo, o teu ser… dar-te-ei tudo o que tenho e o que terei.
Vem comigo e far-te-ei feliz…sorrirás dia e noite…eu sorrirei só por te ver sorrir.
Confia em mim e ensinar-te-ei o que é amar para sempre.

quinta-feira, maio 10, 2007

Diz-me alguma coisa…


Diz-me alguma coisa…- pediu-me ela fitando o campo infinito à sua frente.
- Que tipo de coisa?
- Qualquer coisa.
- Não sei que te dizer…Que queres ouvir?
- Diz-me o que vez quando olhas para ali. – pediu apontando para a frente, onde o velho celeiro abandonado se erguia e abrangendo de seguida toda a vastidão verde.
Levantei-me ligeiramente e apoiei-me nos cotovelos, captando a paisagem que já sabia de cor.
- Vejo relva, árvores, pássaros…hum…um tronco caído, o ribeiro lá ao longe, vejo o céu azulinho…ah, vejo o celeiro. – Olhei para ela que continuava a olhar para a frente, sorvendo algo mais, algo que a fazia sorrir, não só com os lábios mas também com os olhos…aqueles olhos verdes e brilhantes que me encantavam. – Que vês tu? – perguntei, embevecido pelo seu sorriso.
Olhou para mim e depois apontou para o terreno do celeiro.
- Ali vejo uma casa…branca, de madeira. Pequenina, só tem um piso. – apontou para as “árvores gémeas”, que se erguiam uma em frente da outra. – Ali vejo uma rede para descansar numa tarde solarenga…Não ouves as gargalhadas?
Olhei para ela e novamente para a frente.
- São os meninos…estão a nadar no ribeiro.
Sorri e deitei-me para trás colocando um braço ao longo do corpo e outro na nuca. Ela imitou-me encostando a cabeça ao meu peito.
- Já ouço…- Disse passados uns minutos. – Estava distraído.


Passou-se mais ou menos dez anos.
O celeiro foi restaurado e agora está lá uma casa…branca, muito, muito, simples. Com o tempo vou trabalhar nela…
O ribeiro está mais pequeno e parece ficar mais distante…mas ainda é perfeito para nadar…Depois dos longos banhos nas águas frias, a rede “ olha” para nós como a pedir que nos deitemos…a vontade dela é quase sempre cumprida.
Não é O paraíso…mas é um local que aspira a isso.

quarta-feira, maio 09, 2007

Continuo desta forma:

Coisas que faço muito mal ou pessimamente:
- passar a ferro (por isso gosto mais do Inverno já que me preocupo mais com os colarinhos, afinal de contas a camisola tapa o resto)
- mudar pneus (que nome estranho deram àquela coisa que levanta o carro – macaco – faz-me logo lembrar algo que me irrita)
- esticar o cabelo (aqulas máquinas milagrosas das duas uma: ou são publicidade enganosa ou não funcionam nas minhas mãos. Estico à frente, tudo bem, encaracola atrás. Lindo!!)
- fazer a depilação com cera nas pernas (choro, faço caretas, grito, praguejo e, o resultado final, é quase sempre apenas uma perna depilada)
- feijoada ( não sei porque carga d’água o meu feijão desaparece sempre. E garanto-vos que ponho muito. Fica a carne, os chouriços, arroz... feijão, nem vê-lo!)
- escolher roupa de criança (a última prenda que dei a um bebé está a ser usada nos dias de hoje. Dois anos depois)
- dar indicações a pessoas que andam perdidas ( desconfio que os perdidos que me reencontrassem não me diriam palavras muito bonitas)
- beber vinho maduro (admito, não sei. Ao primeiro copo dá-me logo ganas de cantar o fado)
- maquiar-me (fico sempre com um aspecto duvidoso)


Coisas que me envergonham:
- corar (acontece sempre quando estou a ser observada e a tendência é a intensificar, para mal dos meus pecados) Nota: normalmente o corar acontece quando me maquio!!
- partir tacões e cair (aquela vez que caí aos joelhos de um colega fica para a história)
- ir com a cadela à rua, às seis da manhã, ainda a dormir, e ser “agrafada” por um vizinho no elevador (xiii)
- engasgar-me com água (ridículo)
- cometer gaffes ( como aquela em Cabo Verde. Sala cheia de gente local. Todos sentados. Dirijo-me à secretária e vejo que não tenho cadeira. Digo à minha colega, caboverdiana também, com o ar mais idiota do mundo: “E eu? Sou preta, não me sento?? – ai Jesus)

Coisas que me irritam:
- todas as que referiste Aquiles mais
- gente inconveniente (sem explicação possível)
- ver um homem a cuspir para o chão ( reco!!!!!)
- ouvir uma mulher a dizer palavrões (aos homens também não fica bem)
- sandes de presunto (será que ainda ninguém reparou que à primeira dentada o presunto desaparece?? É que é difícil cortar aquela coisa... depois fica só o pão!)
- praias cheias de gente (tanto espaço mas aquele casal, com dois filhos, um cão, quatro cadeiras, dois guarda-sóis, uma lancheira, e quatro sacos tem mesmo de se encostar à minha toalha. Tudo bem, eu até gosto do convívio mas... quero paz e só ouço roncos!)
- gente que rumina no cinema ( abaixo as pipocas e coca-colas. Aquele ruído tira-me do sério)
- o Pedro (irrita-me ao ponto de, cá no intimo, lhe chamar “pain in the ass”)
- gente que faz crochet (fico sempre com a sensação que sou pouco feminina já que as agulhas daquelas coisas, para mim, são pauzinhos)
- não acertar num único número no Euromilhões ( nem unzinho,nem estrelinha)

Coisas que me comovem:
- uma criança a sorrir (felicidade plena)
- um atleta ou equipa portuguesa a esforçar-se para ser o melhor (chorona até dizer chega durante o Euro, por exemplo)
- um bilhete que me deixaram no carro uma vez (“foi-se o tempo e a oportunidade, permanece o sonho e a saudade)
- o rosto do meu pai (como tem mudado!!!!)
- a força da minha mãe (Mulher!!)
- gente que deixa o conforto de uma vida para se dedicar a causas nobres e pessoas desfavorecidas (sinto-me verdadeiramente pequenina perante elas)
- o Natal (quanto mais não seja quando vejo o meu extracto bancário)

terça-feira, maio 08, 2007

7 coisas que

7 coisas que tenho que fazer antes de morrer:

- Ter pelo menos mais dois filhos ( não me mates querida);
- Escrever um livro ( e esperar que alguém o queira ler);
- Ver os meus filhos realizados em todos os níveis; ( o meu objectivo principal);
- Construir um villa na ilha onde nasci ( Sicília) para ter alguma independência;
- Aprender a pilotar; ( porque o céu é o limite);
- Chegar ao topo ( ou quase) da carreira militar.

7 coisas que eu mais digo:

- Café! ( Quase sempre quando entro no quartel);
- Porra! ( Tenho de melhorar o vocabulário)
- Estás aqui estás a beijar o alcatrão ( tipo eufemismo);
- Amo-te ( há quem diga que até enerva);
- Que Romântico ( quase sempre ironicamente…aprendi com uma amiga minha);
- Estou-me a passar; ( e quando digo isso já estou mesmo chateado);
- Porquê? ( Nunca deixei de ter três anos)

7 coisas que faço bem:
- Conduzir ;
- Contar histórias a criancinhas ( tadinhas, não são exigentes);
- Dormir ;
- Observar;
- Ficar horas deitado no sofá, com uma bebida quente à frente a conversar com a minha mulher ;
- Fazer sorrir as pessoas que gosto ( e vice-versa);
- Meninos loirinhos de olhos azuis! ( Muitos mais virão)

7 coisas que eu não faço:

- Correr atrás de autocarros ( está perdido…está perdido, outros virão);
- Responder a quem me grita ( pessoas que me gritam não têm interesse para mim);
- Perdoar quem me acusou injustamente ( É um principio meu, pode estar errado);
- Fumar ( Não vejo a lógica);
- Ficar quieto quando alguém está a magoar crianças, mulheres, velhotes e animais ( É um dever cívico ajudar nesses casos);
- Abandonar um amigo que precisa de ajuda ( nem comento);
- Trocar um fim de semana com a família por um fim de semana, teoricamente, perfeito ( sem eles nunca seria perfeito!)

7 coisas que me encantam:

- Ouvir o meu filho a dizer “ Calacolinos, clavelos amalelos e olos azulis!” ( Imaginem só);
- Ver a minha mulher a fazer cara de rufia ( Quem a conhece sabe que é algo interessante para se ver);
- Ouvir as gargalhadas dos meus camaradas ao almoço;
- Ver o meu mano a tentar convencer a namorada que gosta mais dela do que da consola ( hilariante);
- Encostar a cabeça à barriguinha da minha mulher e ouvir “ o Júnior” ( =D);
- Ler um bom livro;
- Sentir, ver e ouvir a alegria da família numa reunião familiar

7 coisas que odeio:

- Sentir que estou a ser usado;
- Gritos;
- Choradeiras;
- “Pitinhas histéricas” ( como diz a minha grande amiga);
- Peixe;
- Sargentos;
- Atrasos


Selene...Dás-me o prazer de ler as tuas respostas? Por favor? :D

Sentidos...

Uma vez ouvi alguém dizer que gostaria de escrever um livro sobre os sentidos. Duas pessoas que se amavam porém nenhuma delas tinha um sentido. Será possível? Creio que não. Como saberiam da presença uma da outra se não se ouviam, falavam, tocavam, sentiam, cheiravam e viam??? Hum, parece-me tarefa árdua falar do amor sem sentidos...
Cada vez que penso num homem, como homem, não o imagino sem sentidos bem como não o conheço com todos eles. Eu explico.
- Se um homem é bom ouvinte provavelmente falta-lhe o tacto das situações mais intimistas;
- se um homem é observador com toda a certeza não possuí o gosto das palavras mais doces e fortes;
- se um homem é institivo e sente o “odor” dos vários perigos que o rodeiam então muito provavelmente a sua visão estará limitada a um perimetro muito curto e de fácil alcance...
Mas se, por um dia, eu pudesse criar o homem ideal não seria perfeito porque a perfeição é uma chatice desmedida... teria defeitos, grandes e incomodativos e pequenos e insignificantes. Desenharia as suas qualidades. Mas como o meu forte nunca foi o desenho provavelmente sairia um rabisco pior do existente... No entanto, vou esforçar-me para fazer a receita sem falhar nenhum ingrediente. Sobre a mesa estão 5 taças. Cada uma delas contém um sentido e, como em qualquer cozinhado, é importante escolher a ordem dos condimentos bem como a quantidade. Fá-lo-ei à minha maneira, ao meu gosto e isso, inevitavelmente, não agradará a todos/as.

A minha primeira taça tem escrito “Visão”. Escolho este como o principal porque comparo-o ao “alho”: faz toda a diferença no tempero. Um homem sem poder de observação é como um carro sem velocidade. Aos seus olhos conferia o poder de ver tudo de todas as maneiras: do geral ao particular, do supérfluo ao importante, do grande ao pequeno, da marca ao pormenor. Ser-lhe-ía dada a capacidade de estudar as pessoas e os seus comportamentos, antecipando-lhes, invariavelmente, atitudes e até, quem sabe, pensamentos mais secretos. Como cozinheira tenho consciência que é um poder heróico este. Correria o risco de enfraquecer algumas mulheres que, muitas vezes, preferem passar despercebidas: pela manhã, com o cabelo desalinhado, a cara matinal, as calças que deveriam ficar melhor apesar de terem sido carííííssimas, a maquilhagem que borrou... Porém, esqueço estas pequenas desvantagens e continuo.
Pego na segunda taça. Escrito “Audição”. O alho ganha um sabor especial quando a ele se junta um pouco de azeite. Pois bem, a audição, neste caso, é o azeite. O alho funciona sozinho mas ganha um gosto especial quando tem por aliado o azeite de origem. Pode ser de Trás-os-Montes. Um exímio ouvinte. Que consegue ouvir até a conversa mais parva do mundo, que ouve atentamente as nossas dúvidas existenciais (como achas que devo cortar o cabelo, estou gorda?, esta ruga não estava aqui pois não?, vais gostar sempre de mim?, porque dizes que sim se não sabes?). Que saiba ouvir o nosso coração quando não nos apetece falar.
Parece-vos um cozinhado requintado demais???? Continuando...
A terceira taça não está cheia. “Tacto”. Alho, azeite e agora o vinho branco (vinagre????).Creio que ficam bem todos juntos. Este homem, munido deste ingrediente, teria umas mãos diferentes do comum dos mortais. Não apenas mãos para tocar nem braços para abraçar mas, antes, mãos para descobrir e redescobrir terreno, mãos e braços para emitir sinais de paz, tranquilidade, segurança... mãos e braços esclarecedores do que é o amor, a paixão, a química...
Restam duas taças. São especiarias. Raras. Podemos juntá-las porque os sabores são tão distintos que não se misturam. Distinguem-se. Pimenta da índia e tinta de lulas (dizem que é bom). Gosto e Olfacto respectivamente. Este teria um paladar requintado, saberia distinguir na íntegra os pormenores essenciais da vida, sentiria o cheiro do perigo antecipando-o e precavendo-se automaticamente. Conseguiria vislumbrar na penumbra de um quarto repleto de gente o perfume do meu corpo, bem como reconheceria, como a palma das suas mãos, o sabor dos meus lábios!

Para finalizar, acrescentaria uma mão cheia de sal (o colesterol não é para aqui chamado), uma malagueta do México (não vou explicar o óbvio) e tapava cuidadosamente. Reservava durante uns tempos para ganhar maturidade e...

Tolice, não é? Só escrevo disparates...

domingo, maio 06, 2007

Aquela janela...




Em qualquer história, real ou imaginária, há um espaço, um tempo e uma ou mais personagens que tocam, ao de leve, na virtualidade da vida, no seu lado mais sonhador e escondido.

Naquela casa há sem dúvida uma particularidade: uma janela. É grande, larga e de lá pode-se avistar o verde dos campos em volta... Apesar da proximidade com o bulício da cidade, aqui, neste espaço, ainda se pode respirar com tranquilidade, ainda se pode andar sozinho sem medo, ainda se ouvem os pássaros... Foi de certeza esta janela que a apaixonou naquela casa. Viu nela a sua escapatória para os seus momentos de instropecção, para a sua solidão consciencializada...
...ao lado da janela, estrategicamente colocada, está uma secretária. Nela, o computador... é aqui que ela se senta todos os dias. Coloca um CD na aparelhagem, música calma, e tranquilamente vai tocando no teclado, embalada pela música que escolheu.

O tempo. O tempo é o presente ou um passado muito recente. Tão recente que os dedos das mãos são suficientes para contar os dias... No entanto, caracterizar este tempo torna-se tarefa árdua. Os minutos transformaram-se inevitavelmente em horas, as horas cresceram para dias e estes evoluiram para anos. O tempo perde a sua definição porque na vida que envolve a personagem deixou de ter sentido. E importância...

Acordou cedo. Aliás, ultimamente, devido ao ritmo de trabalho, tem acordado sempre à mesma hora. Mas estava de férias. Depois de ter concluído todas as tarefas a que se propôs fazer, decidiu deitar-se um pouco no sofá, estender as pernas, deitar a cabeça nas almofadas e ficar ali... inerte, a brincar com o comando da televisão. Algumas tentativas falhadas de programas pouco convidativos e rendeu-se ao seu livro... Ela sempre gostou de ler. Diz, frequentemente, que é a sua forma predilecta de viajar. Porém, o livro pesava-lhe mais do que habitual. Lia desconcentradamente sendo obrigada a voltar atrás demasiadas vezes... Pousou o livro. Sobe as escadas e refugia-se na janela.

Os seus olhos ficam naquela casa, abandonada, no meio de nada. Às vezes imagina como terá sido a vida de quem ali viveu. Família numerosa, filhos pequenos, um cão... deviam ser felizes! Fica prostrada no sofá que colocou em frente à janela. Dobra as pernas e acende um cigarro. Permanece imóvel e em silêncio... quase consegue ouvir os batimentos do seu coração acomodado a uma calma que não gosta e que não o preenche. É um coração que nasceu para ser agitado, para chorar e rir com tudo e com quase nada... é um coração de repetidos esforços e de uma longa paciência. E de esperança...

Recolheu-se em si. A música que hoje seleccionou é calma o suficiente para ela fechar os olhos e materializar palavras dentro de si. O vazio ficou de repente a abarrotar de palavras que cumprem imediatamente a sua maior função: harmonizar o espírito de quem as recriou. Se pudesse voltava atrás... Não teria desaparecido sem deixar rasto. Se pudesse voltar umas horas, que seja, atrás, não teria dito o que disse... nem da forma como o fez!
Se os minutos pudessem ser parados ficaria nos braços dele por longos períodos. Adormeceria sentindo a sua respiração no cabelo e o peito nas suas mãos. Se as horas parassem de repente ficaria quieta, imóvel observando-lhe os movimentos: como olha para a televisão, como come, o sorriso, a forma natural com que sai do banho, despenteado e feliz... Se os dias parassem de um momento para o outro escolheria ficar sentada ao seu lado. Deixava que o mundo avançasse com a certeza que ambos o alcançariam quando acordassem do estado de inércia. De todos os motivos que ele tem para não a amar, ela mostrar-lhe-ía apenas aquele que ele tem para amá-la...

Mas, hoje, está simplesmente sentada naquele sofá com vontade de esquecer o mundo, de esquecer o que a boca disse mas o coração não sentiu...

“Assim que se olharam, amaram-se; assim que se amaram, suspiraram; assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo; assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio.”
(Shakespeare)