Ela abre os olhos e fixa-os na prateleira de perfumes que tem à sua frente… não, não pode ser… O tempo esticou-se novamente… e pela sua cabeça correram mil e uns pensamentos, mil e uma probabilidades… tinha a certeza que no momento em que se voltasse para encarar quem queria a sua atenção, quebraria o encanto… ou talvez não!
Apetecia-lhe eternizar aquele momento de dúvida… Fingir que era ele! Imaginar que ele pensou nela e ela nele exactamente à mesma hora, no mesmo local… Quase juraria que os dedos que lhe tocaram o ombro lhe pertenciam. Mas não… sabe que sonhar só a tem magoado ainda mais! A realidade era bem mais cruel… iria finalmente ganhar coragem para se virar… fá-lo-ia sem medo até porque a decepção era a garantia final.
Quase em câmara lenta volta-se…
Naquele preciso momento o tempo espacial sofre outra alteração: não se esticou nem prolongou… simplesmente… parou. A música deixou de se ouvir, as pessoas ficaram estátuas, mudas, e o espaço, que outrora fora amplo, ficou reduzido a míseros centímetros.
Ele estava ali à sua frente. Tinha vindo ao seu encontro e, quem sabe, até a esperava… estava de olhar sério e preocupado. Ela reparou que os seus lábios estavam secos e os seus olhos denunciavam cansaço. Olharam-se profundamente. Calmamente. Ninguém falou.
Ela aproxima-se mais dele. Solta uma das mãos do frasco que ainda segurava religiosamente e leva-a à face dele. Sente a pele macia. Toca-lhe nos olhos, nas sobrancelhas, nos lábios. Convencida de que ele é real procura a mão dele…encontra-a gelada. Agarra-a e aperta-a contra si. Finalmente ele esboça um sorriso tímido. Parece perceber, também, que é ela… que ela está ali, presente!
Num movimento brusco puxa-a para si… os corpos colam-se e ficam imóveis… ambos fecham os olhos e entregam-se a um abraço apertado… ele toca-lhe no cabelo, sente-o por entre os dedos… passeia as mãos pelo pescoço dela e beija-o suavemente… ela crava as mãos nas costas dele!
Sentiu vontade de lhe dizer tanta coisa, de tantas maneiras diferentes: gritar-lhe por se ter demorado tanto, por teimosamente permanecer longe e por ter suportado as saudades durante aquele tempo; dizer-lhe que a vida sem ele não fazia sentido e admitir que com ele seria tudo menos fácil, sussurrar-lhe ao ouvido que o queria como nunca tinha desejado ninguém na vida; reconhecer a falta dele mas, da mesma forma, afirmar que a vida tem de continuar… pedir-lhe secretamente que fujam ambos dali, que desapareçam do mundo real e que se escondam num local secreto só deles mas, ao mesmo tempo, reconhecer que a coragem dele não chega para os dois, que ela é cobarde… garantir-lhe que o sorriso dela depende, inevitavelmente do dele… agarrar-lhe com força os colarinhos, puxá-lo contra si, encostar a sua cara à dele e acentuar que o vazio deixa de existir quando ele está por perto…
Naquele dia que em tudo se previa normal, ele quebrou-lhe todos os pensamentos… Afastou-se um pouco, prendeu a sua mão à dela e proferiu, finalmente, as primeiras palavras. Fê-lo de forma segura, firme, rápida e quase autoritária. Pareceu gritar apesar de ser nada mais do que um suspiro.
“ Quem disse que há momentos e horas para se amar? Segue-me…”
De um momento para o outro a vida voltou ao normal, como se um ser algures por ali tivesse carregado no play no filme da vida de todos os outros… A música, essa, regressou baixinho…
Ela seguia-o…