segunda-feira, outubro 22, 2007


Conheceram-se como se conhecem a maioria dos amantes, por acaso. Não viram nada de especial um no outro, não trocaram números, não tiveram intenção de se voltar a ver, dormiram sem pensar um no outro…mas, o acaso uniu-os de maneira inesperada.

“- Mariana? – perguntou ele numa das muitas ruas que percorria até casa.
- Sim…- disse ela sem se lembrar, ao certo, da pessoa que falava para ela.
- Sou eu, o João…Conhecemo-nos no…
- João…lembro-me!”



Tão fulminante como o primeiro encontro, foi o segundo, daí partiram para o terceiro…arranjando sempre algo mais para fazer…algum tempo mais para pensar se era realmente aquilo que estava previsto…assim passaram uns meses… não, não estou a exagerar…assim passaram uns meses.

“-Tens sonhos? – perguntou-lhe ele numa daquelas em que se dedicavam um ao outro.
- Sonhos? Que tipo de sonhos?
- Tens objectivos para o futuro? Por exemplo…comprar um Ferrari! – brincou ele.
- Tenho…- disse ela tristemente.
- Posso saber quais?
- Não importa…não vai haver futuro…”


Ainda agora se culpa por não ter questionada aquela afirmação…ainda se culpa por não a ter agarrado e dito que sim, que tinha futuro…que ela era o futuro dele…ele o dela…Ele sabia, mas ela sabia mais.

Costumam dizer que as más notícias correm depressa, às vezes deviam correr mais depressa, ser mais, talvez assim poupassem algum sofrimento.

“- E putos?
- Putos? – perguntou ela amparando-se no ombro dele.
- Sim, putos..Bebés, chorões, miúdos, crianças, filhos..aquelas coisinhas pequeninas?
Ela riu e não disse nada.
- Não queres coisas pequeninas para te chatearem? – insistiu ele.
- Não.
- Não? Não acredito, Mariana!
- Não tenho tempo…
- O trabalho não é tudo…E eu quero ter milhentos!
- João, tenho que te contar uma coisa..”


Naquela noite chorou, chorou muito, como prometera não fazer…Ela embalava-o junto ao peito, como quem embala um bebé de colo. Sussurrava-lhe coisas impensáveis ao ouvido, secava-lhe as lágrimas com os seus beijos…a doença já era parte dela, já não a surpreendia apesar das fortes investidas…

“- Vamos consultar outros médicos, vamos a outros países…tem de haver cura..tudo tem cura!
- Não há, João.
- Vem comigo, eu encontro…prometo-te que encontro! – dizia enquanto lhe agarra a mão branca.
-Não quero passar o tempo a viajar de hospital em hospital…eu nunca estive melhor.
- O que é que eu posso fazer?
- Nada.
João levou as mãos à face tentando conter a nova investida das lágrimas.
- Podes fazer uma coisa… - emendou ela.
- Diz..Eu faço tudo!
- Abraça-me.”



Passaram-se dois anos…A doença não se manifestava todos os dias, não se manifestava com muita força, deixando espaço para alguns sonhos…para algumas esperanças.

“ E putos? – perguntou ele novamente.
- Putos?
- Sim, putos…bebés, chorões, crianças, filhos…aquelas coisas pequeninas..
- Não tenho tempo, eu…
- Tens! – interrompeu-a ele. – E vais ser uma excelente mãe!”
Era Verão quando ele a encontrou a chorar, era Verão quando ele viu a fiada de cabelos que havia caído…era Verão quando a doença decidiu mostrar-se…Foi no Outono que se revelou…

“ Não imaginas a raiva que aquele homem me mete…- desabafou ele. – Não merece respirar..
- Sai. – disse ela olhando para a porta.
- O quê? Que se passa?
- Nunca imaginei que fosses fútil ao ponto de dizer uma coisa dessas…
- Amor..estou a falar por falar…então?
- SAI! SAI DAQUI PARA FORA! – disse ela empurrando-o. – Não te quero ver mais há minha frente, João! Nunca mais.
- Mas Mariana…
- SAI!.”
Ele fez-lhe a vontade…Saiu, olhando para trás a cada passo…pensando que tudo se resolveria no dia seguinte…que era apenas uma discussão, que tudo se resolveria…ela sabia mais.
Passadas quatro horas recebeu a notícia…Tinha desfalecido e nunca mais acordara…Mariana tinha morrido.

Vestiu o seu fato preto…colocou o papel no bolso interior. Pegou na flor preferida dela, em tons de amarelo e colocou-a no bolso…

Quanto todos se afastaram, a muito custo, debruçou-se sobre a cova fresca…amaldiçoando Deus e os Deuses…olhou para o fundo castanho debruado a dourado, tirou o papel que tinham escrito…pigarreou e começou a ler…o que ele leu…só eles sabem…o que eles sentiam, é obvio.




Em memória de Alexandra...

2 comentários:

Selene disse...

Muito bonito o texto. Gostei!

:))

ÞrincessFaßiana disse...

Assim se ama ...
Assim se perde...
Assim se guardam recordações ...

Beijos ***