domingo, maio 06, 2007

Aquela janela...




Em qualquer história, real ou imaginária, há um espaço, um tempo e uma ou mais personagens que tocam, ao de leve, na virtualidade da vida, no seu lado mais sonhador e escondido.

Naquela casa há sem dúvida uma particularidade: uma janela. É grande, larga e de lá pode-se avistar o verde dos campos em volta... Apesar da proximidade com o bulício da cidade, aqui, neste espaço, ainda se pode respirar com tranquilidade, ainda se pode andar sozinho sem medo, ainda se ouvem os pássaros... Foi de certeza esta janela que a apaixonou naquela casa. Viu nela a sua escapatória para os seus momentos de instropecção, para a sua solidão consciencializada...
...ao lado da janela, estrategicamente colocada, está uma secretária. Nela, o computador... é aqui que ela se senta todos os dias. Coloca um CD na aparelhagem, música calma, e tranquilamente vai tocando no teclado, embalada pela música que escolheu.

O tempo. O tempo é o presente ou um passado muito recente. Tão recente que os dedos das mãos são suficientes para contar os dias... No entanto, caracterizar este tempo torna-se tarefa árdua. Os minutos transformaram-se inevitavelmente em horas, as horas cresceram para dias e estes evoluiram para anos. O tempo perde a sua definição porque na vida que envolve a personagem deixou de ter sentido. E importância...

Acordou cedo. Aliás, ultimamente, devido ao ritmo de trabalho, tem acordado sempre à mesma hora. Mas estava de férias. Depois de ter concluído todas as tarefas a que se propôs fazer, decidiu deitar-se um pouco no sofá, estender as pernas, deitar a cabeça nas almofadas e ficar ali... inerte, a brincar com o comando da televisão. Algumas tentativas falhadas de programas pouco convidativos e rendeu-se ao seu livro... Ela sempre gostou de ler. Diz, frequentemente, que é a sua forma predilecta de viajar. Porém, o livro pesava-lhe mais do que habitual. Lia desconcentradamente sendo obrigada a voltar atrás demasiadas vezes... Pousou o livro. Sobe as escadas e refugia-se na janela.

Os seus olhos ficam naquela casa, abandonada, no meio de nada. Às vezes imagina como terá sido a vida de quem ali viveu. Família numerosa, filhos pequenos, um cão... deviam ser felizes! Fica prostrada no sofá que colocou em frente à janela. Dobra as pernas e acende um cigarro. Permanece imóvel e em silêncio... quase consegue ouvir os batimentos do seu coração acomodado a uma calma que não gosta e que não o preenche. É um coração que nasceu para ser agitado, para chorar e rir com tudo e com quase nada... é um coração de repetidos esforços e de uma longa paciência. E de esperança...

Recolheu-se em si. A música que hoje seleccionou é calma o suficiente para ela fechar os olhos e materializar palavras dentro de si. O vazio ficou de repente a abarrotar de palavras que cumprem imediatamente a sua maior função: harmonizar o espírito de quem as recriou. Se pudesse voltava atrás... Não teria desaparecido sem deixar rasto. Se pudesse voltar umas horas, que seja, atrás, não teria dito o que disse... nem da forma como o fez!
Se os minutos pudessem ser parados ficaria nos braços dele por longos períodos. Adormeceria sentindo a sua respiração no cabelo e o peito nas suas mãos. Se as horas parassem de repente ficaria quieta, imóvel observando-lhe os movimentos: como olha para a televisão, como come, o sorriso, a forma natural com que sai do banho, despenteado e feliz... Se os dias parassem de um momento para o outro escolheria ficar sentada ao seu lado. Deixava que o mundo avançasse com a certeza que ambos o alcançariam quando acordassem do estado de inércia. De todos os motivos que ele tem para não a amar, ela mostrar-lhe-ía apenas aquele que ele tem para amá-la...

Mas, hoje, está simplesmente sentada naquele sofá com vontade de esquecer o mundo, de esquecer o que a boca disse mas o coração não sentiu...

“Assim que se olharam, amaram-se; assim que se amaram, suspiraram; assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo; assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio.”
(Shakespeare)





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