quarta-feira, dezembro 27, 2006


O cabelo loiro, preenchido por caracóis,estava desalinhado... os olhos azúis, grandes e expressivos, observavam-me e a tua boca, perfeitamente desenhada, tinha um rasgo de um sorrido tímido... as tua unhas sujas pertenciam a umas mãos finas e débeis... Pena. Foi o que senti no nosso primeiro contacto. Pena de ti, da tua vida tão curta ainda mas já tão preenchida de infortúnios. Pena das vezes que já deves ter chorado, das vezes que já tiveste fome e frio... Hoje, continuo a sentir pena. Mas de mim. Por não ter sido a primeira pessoa a ver-te quando nasceste...
Os nossos primeiros dias foram de descoberta total e de entrega a cada segundo vivido! Eu interpretava os teus sinais, tu lias os meus olhos. Eu adivinhava a tua dor e os teus medos, tu sabias que o teu lugar estava garantido na minha vida. Eu teimava em vasculhar tudo o que é teu, tu insinuavas um passado esquecido e uma esperança num futuro melhor... como me ensinaste... Conheces o “menos bom” e mesmo assim só sabes ser meiga, grandiosa e sorridente...

- Beatriz, desenha o teu animal preferido!
- Pode ser um cão?
- Pode ser o que tu quiseres desde que seja o teu preferido.
- Vou desenhar um cão. Grande.
- Grande?! Porquê, não gostas de cães pequeninos?
- Gosto mas um cão grande protege-me mais. Além disso podia ensiná-lo a pegar em mim para olhar pela janela pequena. Eu não chego lá.
- Uma janela pequena. Não há portas Beatriz? Para que possas ir brincar com ele lá para fora?
- Há uma mas está sempre trancada. Só posso olhar pela janela...

Viveste sempre enclausurada não foi? Anda cá, deixa-me abraçar-te e dizer-te que vamos as duas abrir outras portas com a mesma mão. Abrimo-las e nunca mais as fechamos...

- Beatriz, tu choras?
- Choro tu não?
- Sim, choro. Mas eu nunca te vi chorar...
- Pois não. Eu escondo-me quando me apetece.
- Escondes-te? Podes dizer-me onde?
- Na almofada...

Quem te ensinou que chorar é uma fraqueza?! Quem te assustou ao ponto de teres um sítio só teu para chorares?? És uma criança. As crianças choram, riem, brincam, fazem asneiras naturalmente. Nós, os adultos, somos os únicos a procurar refúgios porque temos medo de nos mostrarmos...

Desde que te conheço que me tornei em alguém melhor. A ti devo o entendimento perfeito das palavras “perdão” e “sofrimento”. Não me esqueço do nosso primeiro fim de semana juntas. Quando te perguntava se estavas a gostar e tu respondias com abraços... Quero continuar a lutar por ti... e por mim!! Quero continuar a aprender ao teu lado. Quero sentar-me no chão contigo, brincar ao que tu quiseres, tocar-te na cara e nos cabelos loiros e dizer-te que és uma menina linda e que tenho orgulho em ti! Quero que acredites em mim quando digo que podemos confiar nas pessoas. Podemos realmente Beatriz, no entanto, temos de estar sempre preparados para decepcionar e sermos decepcionados. Faz parte da vida...
Quero acordar sabendo-te cá em casa, num quarto que já é teu... Quero dar-te banho, vestir-te a tua roupa preferida, colocar-te os ganchos no cabelo rebelde... quero que me puxes pelas calças e digas que está na altura do colo porque sentes que vais chorar... deixaste a tua almofada e agora sou eu o teu porto de abrigo... quero passear de mãos dadas contigo, mostrar-te ao mundo e deixar que digam que és linda mas que és “minha”... quero não ter de me despedir de ti por mais tempo do que o essencial e não ver as tuas e as minhas lágrimas... quero dar-te o cão grande... quero que preenchas a casa com o teu cheiro, o teu sorriso, os teu sons... quero que abras as portas sem medo, que descubras o que está lá dentro e que não tenhas medo em partilhar...
...quero tanta coisa Beatriz porque és a minha metade...





2 comentários:

Aquiles disse...

Vais ter tudo isso e muito mais, Selene...e a menina também.
Bom texto...saiu directamente do coração para o papel :D

Anónimo disse...

... azuis, assim sim!! Peço desculpa pela minha falha de acentuação. Detesto dar pontapés na gramática!! E o Camões ainda me aparece cá em casa... um fantasma de venda no olho... é assustador!!